Walk&Talk 2017: circuito de arte pública em Portugal

Ao considerar uma relação de complementaridade disciplinar na leitura dos territórios e paisagens de intervenção, a proposta do coletivo de arquitetura KWY procurou promover uma abordagem que não se restringisse exclusivamente ao contexto urbano da Ilha dos Açores. Desta forma, a aproximação do grupo a uma ideia de curadoria contemplou a localização das obras no contexto de um itinerário local de intervenções na cidade e na periferia, procurando que as mesmas possam enquadrar, integrar e enriquecer socialmente cenários existentes. No contexto de operar num território de características únicas e muito específicas impôs-se questionar elementos caracterizadores tanto a nível de paisagem como de patrimônio cultural ou edificado.

A equipe identificou três tipologias espaciais sujeitas a intervenção: a praça, como um vazio ou espaço aberto integrado no tecido urbano, que inclua o símbolo de polo agregador, representativa de um local de partilha social e de conhecimento; o jardim como um elemento onde, no vazio da cidade, é integrada uma ideia de natureza, procurando-se questionar a sua pertinência e contemporaneidade enquanto equipamento do século XXI; por último a paisagem como o reflexo da relação territorial insular com a natureza e com o mar, promovendo uma perspetiva onde, devido à inevitabilidade geográfica de uma ilha, seja explorada a ideia de perímetro e de percurso.

Simultaneamente, foram analisadas categorias de intervenção que permitissem identificar modos de atuação que possam resultar em ideias de espaço distintas: artistas que potenciem um discurso crítico sobre situações espaciais específicas e que nos permitam construir uma ideia de promenade urbana ou territorial que introduz ao observador ou participante uma reinvenção de lugares ou costumes. Na proximidade imediata das intervenções, na relação que estas estabelecem com a sua envolvente, mas também no espaço de mediação que existe entre um trabalho e o outro. Como se a área de influência de cada obra se queira alargar e intersectar com as suas adjacentes promovendo leituras complementares: sobre a problemática curatorial, da abordagem do artista à situação encontrada e como ferramentas de análise empírica do patrimônio e do território.

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A seleção priorizou artistas capazes de articular seu trabalho com os contextos históricos, econômicos e sociais, mas também capazes de utilizar materiais e técnicas locais adequadas e disponíveis. A área comum de reflexão é o espaço enquanto resultado de intervenções que apelam a um sentido de uma obra de arte total. Foi identificada uma sensibilidade na integração do seu trabalho através da matéria com que o fazem, do lugar a que passarão a pertencer ou onde, simplesmente, a acontecer. Seja interior ou exterior, contentor ou intervenção – uma construção espacial através da arquitetura ou da arte, ou de uma prática que se situa num campo de complementaridade disciplinar. Obras atentas a uma paisagem física, social e humana. A matéria como meio de comunicação e de reflexão sobre espacialidade, e também de imaterialidade, que contempla a dialética de como através do fazer, o espaço acontece.

Veja as obras que constituíram um circuito de arte pública nos Açores, a seguir:

NORDIC MINIATURE / benandsebastian
Materiais: faia, plantas e árvores vivas, terra, água, pedra, plástico
Dimensões: variáveis
#nordicminiature

© Álvaro Miranda. Image Cortesia de Walk&Talk

Localizada no jardim do Parque Terra Nostra, NORDIC MINIATURE reflete sobre o legado histórico do jardim e a construção do exótico dentro do paisagismo do século dezanove. A condição atual do parque é resultado de uma abordagem expansiva à história e geografia, onde espécies botânicas foram meticulosamente recolhidas de partes distantes do mundo e organizadas de forma a refletir a história colonial e também evolucionária. A obra parte da ideia do jardim como um museu, onde a curadoria de espécimes botânicas exóticas representam uma distinta visão do mundo. A perspectiva da proposta é deslocalizada para a região nórdica, cujas espécies nativas são tratadas como amostras exóticas e frágeis em exposição.

Queremos construir uma floresta de faia dentro de uma vitrine. Névoa, um riacho, um tronco decomposto. Musgo de plástico.
Até os Dinamarqueses acabaram pequenos.
O bosque esta contido por uma vitrine, o parque à sua volta é um museu. A colecção é o encontro entre o romantismo do mundo antigo e o exótico do novo mundo – Terra Nostra. A nossa terra. Palmeiras e saque.
No jardim dentro do jardim as plantas são jurássicas, de quando os continentes estava ligados: Gondwana-Azores-Laurasia. Nesta espessura de tempo, a miniatura de um bosque nórdico mantém as horas Escandinavas. Semanas de 37 horas e meia, Seven Eleven, Flexitime.
Da alvorada ao crepúsculo 5 vezes por dia, pontualmente.  

INTERMEDIÁRIO / Mark Clintberg
Materiais: várias mídias
Dimensões: variáveis
#intermediario 

© Mariana Lopes. Image Cortesia de Walk&Talk

INTERMEDIÁRIO é um projeto em duas frentes, contemplando uma intervenção arquitetônica e uma série de cartazes distribuídos por Ponta Delgada. Através de sinalética – e propondo um espaço social e cultural ficcional – Clintberg propõe um novo passado e futuro queer para um lugar específico: o Teatro Micaelense, um dos centros culturais de São Miguel. O termo intermediário evoca um espaço de intermediação e negociação de cultura, mercadoria e identidade. Ser um intermediário é também estar no meio, estar entre um lugar e outro, assim como os Açores estão geograficamente entre dois continentes; similarmente, a temática queer invoca uma reavaliação de binários e uma investigação sobre estados ambíguos e transientes.

2017 OBJECT_10 / Tomaz Hipólito
Instalação
2017 object_10
Materiais: Cofragem de tetrápode em aço pintada
Dimensões: variáveis 
Vídeo
2017 draw_08
Materiais: Projeção de vídeo
Duração: 2’47’’
(Colaboração com Nuno Moser)
Desenho
2017 merge_11 #1 | #2 | #3
Materiais: Desenho a tinta sobre Impressão Digital
Dimensões: 1950 x 1200 mm
#2017object10

© Walk & Talk

Depois de analisar os tetrápodes de betão que delimitam e protegem o porto de Ponta Delgada, Hipólito propõe uma reflexão escultórica sobre estes objetos, observando a sua a força e matéria, questionando a massa do objecto e a sua ligação ao mar.

A proposta divide-se em três exercícios em que se opõem a densidade e substancia dos tetrápodes. O primeiro é uma escultura de três cofragens de aço pintadas que são colocadas no espaço publico: na transformação do utilitário para o estético, o tetrápode torna-se numa escultura de memória que cria um novo e inesperado diálogo com o tecido urbano. O segundo exercício é uma projeção de uma animação 3D do tetrápode que irá viajar pela ilha em contextos de paisagem natural e urbana. A animação será projetada numa série de cenários e de espaços possibilitando novas interpretações, interferências e desconstruções. A terceira parte da obra é uma exposição no ARCO 8: uma série de desenhos de tetrápodes que exploram a qualidade escultórica do objecto, sugerindo as sua própria transformação e desmaterialização.

MEDUSA (REFLEXO) / Ricardo Jacinto
Materiais: instalação-concerto para violoncelo, eletrônica e tubos de aço
Dimensões: variáveis
#medusa_reflexo

© Mariana Lopes. Image Cortesia de Walk&Talk

Ricardo Jacinto foi convidado a intervir no coreto da Praça de São Francisco em Ponta Delgada - apesar dos Açores terem um grande número de bandas filarmónicas, a praça é principalmente utilizada durante as festas populares ficando deserta a maior parte do ano. A obra de Jacinto, MEDUSA (REFLEXO), é uma instalação que serve como ferramenta de apoio a uma performance de violoncelo a solo e que incorpora as características arquitetônicas e sonoras do local onde é instalada e realizada. Ao responder às qualidades específicas do lugar tanto na sua organização espacial como performativa, este sistema electroacústico procura uma “transfiguração sônica” do corpo do violoncelo quando entra em contacto com o espaço onde se desenvolve a performance. A instalação de som – que permanece como um eco da performance – consiste numa série de tubos de aço suspensos da estrutura do coreto, onde são fixas colunas que os fazem ressoar com sons gravados durante o concerto. Ao amplificar a sua presença na praça, o coreto transforma-se simultaneamente numa arquitetura sonora e numa caixa de som, um singular instrumento musical urbano.

GALLERY / JQTS
Materiais: Criptoméria, rede preta, tinta de óleo preta, bagacina
Dimensões: 10 x 12 x 6 m
#galleryJQTS

© Sara Pinheiro. Image Cortesia de Walk&Talk

GALLERY está instalada na proximidade do edifício que acolheu edições anteriores do Walk & Talk – antes deste ser vendido e da procura de uma nova localização para sediar o festival. Tal como a localização, o título da obra é também uma referência à própria história do Walk & Talk. O elemento base do pavilhão é um espaço triangular construído por molduras em Criptoméria, uma madeira local: a repetição de 18 elementos idênticos permite a leitura de um novo espaço, um edifício ou mesmo uma nova realidade. O seu ponto mais alto antecipa a divisão principal, visível a partir do exterior mas apenas acessível através de um percurso labiríntico percorrendo cada um dos 18 espaços. Simulando uma linha de visão a partir do cimo de um castelo, o visitante transforma-se no ponto central físico e sensorial da avenida marginal abaixo. O pavilhão introduz um novo eixo diagonal a partir da cidade em direção ao Atlântico, sugerindo um diálogo entre a torre do Teatro e a antiga galeria do Walk & Talk. Imaginada como um modesto ponto de referência, GALLERY cria novas possibilidades de reinterpretar a escala e a complexidade de grandiosas formas arquitetônicas através de uma estrutura que se disponibiliza como um lugar de encontro mais humano e singelo.  

AZOREAN SPECTRUM RANGE / Akane Moriyama
Materiais: Nylon, cabos de aço, perfis de aço
Dimensões: variáveis
#azoreanspectrumrange

© Sara Pinheiro. Image Cortesia de Walk&Talk

AZOREAN SPECTRUM RANGE procura prolongar a interpretação do território através da descentralização da ação artística. Reimaginando a praça central do museu do Arquipélago e reinterpretando a transformação do pátio em espaço urbano privado, este vazio figurativo serve tanto de marcação da entrada do museu, como de articulação entre as diversas funções do Arquipélago: museu, blackbox, e atelier para residências artísticas. AZOREAN SPECTRUM RANGE utiliza têxteis para manipular o contexto do espaço através de sombra, cor e texturas, conferindo um carácter intimo à praça e convidando o publico a observar e refletir sobre as dimensões e características deste espaço publico. A extensa estrutura transforma-se progressivamente de uma cor para outra ao longo dos seus 70 metros de comprimento, variando de aparência em vários pontos do espaço e criando um novo sentido ou percepção da escala da praça.   

VARIATIONS OF YELLOW / Ayelene Peressini
Materiais: Madeira, acrílico
Dimensões: 5,040 x 7,130 x 2,730 m
#variationsofyellow

© Filipa Couto. Image Cortesia de Walk&Talk

Peressini propõe uma instalação escultural e arquitetônica construída de madeira e vidro acrílico colorido: a temática que atravessa o seu trabalho recente, tal como aqui nos Açores, é a de desenvolver instalações site-specific que, através de uma prática interdisciplinar, questionam o papel que o espaço partilhado ocupa no ambiente construído em várias escalas. Cuidadosamente colocada na paisagem, a instalação pretende oferecer um espaço que se atravessa e que permite ao visitante experienciar o efeito da sua passagem num lugar específico. Resultado da sua pesquisa contínua sobre os limites da arte e arquitetura, a obra de Peressini é um trabalho estrutural que expressa o diálogo metafísico entre o que pertence ao domínio do funcional e o que pode ser interpretado como uma obra de arte. O seu trabalho de pesquisa sobre a relação entre escultura e arquitetura parte de uma preocupação sobre esse estado de ambiguidade que se observa em objetos que pertencem simultaneamente às disciplinas da arte e da arquitetura.

HOUSE FOR FERRARIA / Teresa Braula Reis
Materiais: Concreto armado, água
Dimensões: 9,7 x 6,5 x 4 m
#houseforferraria

© Sara Pinheiro. Image Cortesia de Walk&Talk

Situada na Ponta da Ferraria, no perímetro da área classificada como Monumento Regional Natural dada a sua geologia única, HOUSE FOR FERRARIA consiste numa planta abstracta para uma possível casa, delimitada por paredes baixas de betão que lembram as fundações vulgares de um edifício. No centro desta casa, um dos compartimentos enche-se de água. A obra assemelha-se a uma construção inacabada, uma ruina voluntária que existe através do desenho do que poderia ser; onde o carácter temporal e o literal do betão contrasta com as qualidades reflectoras e poéticas da água.

A obra de Braula Reis questiona os próprios conceitos da construção e das condições de vivencia características desta envolvente inóspita, propondo simultaneamente uma reflexão sobre as imperativas humanísticas do patrimônio – a preservação de ruínas como símbolos. 

NO MORE WALLS / SpY 
Materiais: Tinta
Dimensions: Variáveis
#nomorewalls

© Sara Pinheiro. Image Cortesia de Walk&Talk

O trabalho de SpY parte da apropriação de elementos urbanos através da transformação ou replicação, uma reflecção sobre a realidade urbana e a interferência nos seus códigos comunicativos. A maior parte de sua produção decorre da observação da cidade e da apreciação de seus componentes, não como elementos inertes, mas como uma paleta de materiais que transbordam de possibilidades. O seu espírito lúdico, a atenção cuidadosa ao contexto de cada peça, e uma atitude não invasiva e construtiva, caracterizam inequivocamente suas intervenções. As obras de SpY pretendem ser um parêntesis na inércia automatizada do morador urbano. São pinças de intenção, escondidas a um canto para quem se quer deixar surpreender. Repletas de partes iguais de ironia e humor, parecem criar um sorriso, incitar à reflexão e favorecer uma consciência esclarecida. A frase NO MORE WALLS é desenhada em grandes dimensões na superfície de uma parede num local particular de São Miguel. A frase propõe diferentes leituras que nos convidam a refletir no contexto da arte urbana, onde a gestão de paredes em áreas urbanas serve o propósito de embelezar ações de gentrificação e desordem urbana. Molduras sociais, culturais e geográficas, onde ainda existem limites impostos sob a forma de barreiras físicas e psicológicas.

MARSILEA AZORICA / BALDIOS
Materiais: Criptoméria, plástico, bagacina, Marsilea hirsuta
Dimensões: Variáveis
#marsileaazorica #baldios

© António Araujo. Image Cortesia de Walk&Talk

A intervenção consiste na transposição para o espaço público do trevo de água de quatro folhas, descrita cientificamente como Marsilea azorica, espécie endêmica e em risco, circunscrita a um pequeno charco no interior da Ilha Terceira. Em 2011 é publicado um artigo científico que comprova que a Marsilea azorica afinal é a Marsilea hirsuta, uma espécie proveniente da Austrália, muito popular em aquariofilia. A espécie única e 'açoriana' passa de protegida a potencialmente invasora no arquipélago.

A provável viagem desta planta, que desde a Austrália até à Terceira passa pela Flórida, encontra paralelos com as trocas comerciais e culturais que ocorreram desde sempre. As questões relacionadas com a contaminação dos ecossistemas reflectem a condição das sociedades contemporâneas, na tensão entre o global e o local, e entre o nativo e o estrangeiro.

O trevo foi cuidadosamente recolhido e transplantado para três jangadas octogonais preenchidas com bagacina preta. As jangadas flutuam livremente no Tanque do Azeite, um tanque do séc. XVII associado ao Hospital Militar da Boa Nova, à deriva num movimento lento e irrepetível. 

MIRA / KWY.studio
Materiais: Criptoméria
Dimensões: 5 x 4,33 x 3,75 m
#mira    #kwy     #kwystudio

© António Araujo. Image Cortesia de Walk&Talk

A MIRA faz parte de uma pesquisa contínua que começou com Sømaerke (Aarhus, Dinamarca 2015 e Cottesloe, Austrália 2016): estruturas construídas de madeira simplesmente empilhada, colocadas ao longo do litoral, funcionando como um ponto de marcação ao mesmo tempo que propõem a identidade de um novo espaço. Localizada cuidadosamente num terraço entre dois muros fortificados, MIRA tem vista para a baía de Angra e sugere uma perspetiva distinta sobre a cidade e o mar enquanto se vê de longe, atraindo visitantes para uma zona esquecida do parque urbano.

Nos Açores a estrutura toma a forma de uma "burra de milho", uma construção tradicionalmente utilizada para secar e armazenar milho que frequentemente pontuava a paisagem e que agora é raramente encontrada. De forma piramidal e com base hexagonal, essas estruturas eram construídas com seis vigas de pinho travadas por ripas onde as socas de milho se penduravam para secar.

MIRA reflete a silhueta de uma “burra de milho”, mas é um pouco mais complexa na sua forma - um heptaedro onde o ápice roda em direção à base, definindo uma superfície paraboloide hiperbólica que divide a pirâmide em dois: um lado virado para terra como um abrigo, proporcionando proteção a um palco ou a um lugar de encontro; o outro lado suporta um pequeno anfiteatro de frente para o mar, com ampla vista sobre o oceano. O pavilhão é aberto: será definido pela forma como os visitantes o completarem com o seu uso.

EPHEMERAL VOLUME 3 / Roberto Ciredz (IT)
Materiais: tinta acrilica
Dimensiões: 15m x 20 m
#robertociredz #ephemeralvolume3

© António Araujo. Image Cortesia de Walk&Talk

Texto fornecidos por Walk&Talk.

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Sobre este autor
Cita: Romullo Baratto. "Walk&Talk 2017: circuito de arte pública em Portugal" 11 Nov 2017. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/883371/walk-and-talk-2017-circuito-de-arte-publica-em-portugal> ISSN 0719-8906

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